Publicada
na Folha de São Paulo em 20/09/2015.
Meu
caro Lula, permito-me escrever-lhe publicamente diante da
impossibilidade de nos falarmos em pessoa, com a franqueza dos tempos
de nossos seguidos contatos –você na presidência do Sindicato dos
Metalúrgicos e eu prefeito de São Bernardo do Campo.
Não
vou falar das greves que ocorreram de 1979 a 1981, que projetaram seu
nome no Brasil e no exterior. Não quero lembrar os dias angustiantes
da intervenção no sindicato pelo ministro do Trabalho, em março de
1979, e da violência que se seguiu com prisões, processos e a sua
detenção pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social).
Todos
esses fatos sempre foram acompanhados por mim juntamente ao senador
Teotônio Vilela, a Ulysses Guimarães e a numerosos políticos do
então MDB.
Na
véspera da intervenção no sindicato, você ligou no meu gabinete
me pedindo ajuda para retirar estoques de alimentos ali guardados.
Enviei caminhões da prefeitura para retirá-los e o material foi
depositado na igreja matriz da cidade.
Não
falo das reuniões, madrugadas adentro, em meu apartamento em São
Bernardo, com figuras expressivas do mundo político e também de
outras esferas, como dom Cláudio Hummes, nosso amigo, então bispo
de Santo André, hoje pessoa de confiança do papa Francisco, em
Roma. Éramos todos preocupados com a sua sorte, a do sindicato e
também a das nossas instituições em pleno regime militar.
Prefiro
não falar dos dias em que o acolhi em minha chácara na pequena
cidade de Torrinha, no interior de São Paulo, acobertando-o de
perseguições do poder militar da época: você, Marisa, os filhos
pequenos, vivendo horas de aflição e preocupantes expectativas.
Nem
quero me lembrar das assembleias do sindicato, depois da intervenção
no estádio de Vila Euclides, cedido pela Prefeitura de São
Bernardo, fornecendo os aparatos possíveis de segurança.
Eram
os primórdios de uma carreira vitoriosa como líder operário que
chegou à Presidência da República por um partido político que
prometia seriedade no manejo da coisa pública e logo decepcionou a
todos pelos desvios de comportamento e de abusos na condução da
máquina administrativa do Estado.
E
aqui começa o seu desvio de uma carreira política que poderia tê-lo
consagrado como autêntico líder para um país ainda em busca de
desenvolvimento. Você deixou escapar-lhe das mãos a oportunidade
histórica de liderar a implantação de urgentes mudanças
estruturais na máquina do poder público.
Como
bem lembrou Frei Betto, seu amigo e colaborador, você, liderando o
Partido dos Trabalhadores, abandonou um projeto de Brasil para
dedicar-se tão somente a um ambicioso e impatriótico projeto de
poder, acomodando-se aos vícios da política tradicional.
Assim,
seu partido, em seus alargados anos de governo, com indissimulada
arrogância, optou por embrenhar-se na busca incessante, impatriótica
e irresponsável do aparelhamento do Estado em favor de sua causa que
não é a do país.
Enganou-se
você com a pretensão equivocada de implantar uma era de bonança
artificial pela via perversa do paternalismo e do consumismo em favor
das classes menos favorecidas, levando-as ao engano do qual agora se
apercebem com natural desapontamento.
Por
isso, meu caro Lula, segundo penso, você perdeu a oportunidade
histórica de se tornar o verdadeiro líder de um país que ainda
busca um caminho de prosperidade, igualdade e solidariedade para
todos. Alguma coisa que poderia beirar a utopia, mas perfeitamente
factível pelo poder político que você e seu partido detiveram por
largo tempo.
Agora,
perdido o ensejo de sua consagração como grande liderança de nossa
história republicana recente, o operário estadista, resta à
população brasileira o desconsolo de esperar por uma era de
dificuldades e incertezas.
Seu
amigo, Tito Costa.
ANTÔNIO
TITO COSTA, 92, advogado, foi prefeito de São Bernardo do Campo
(1977-1983) pelo MDB/PMDB, quando teve atuação destacada nas greves
de metalúrgicos no ABC paulista em oposição à ditadura militar.
Foi também deputado federal constituinte (1987-1988).
Folha
de São Paulo/Blog do Capitão
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